O dia da reunião parecia que nunca mais chegava, e na minha cabeça haviam três coisas que me massacravam: o tom de voz agressivo que a Aurélie utilizou, quando me disse que o Gui era TIRÂNICO e o momento em que ela se dirigiu a ele com um tom ameaçador, a apontar o dedo... O Gui tinha apenas 12 meses e meio, um bebé indefeso e seguramente bastante assustado com o que ela lhe tinha feito...
No dia da reunião, e tal como nos foi aconselhado, deixamos o Gui na casa dos nossos amigos, estávamos ansiosos por saber o que elas íam dizer... Chegamos, sentamo-nos e a directora do RAM começou por dizer que o motivo daquela reunião era para compreender melhor o Gui, a forma como ele vivia, as rotinas, de forma a que a Aurelie pudesse fazer uma melhor integração... Que ela tinha sido chamada na segunda-feira e ao chegar lá, depois da hora do almoço, constatou que o Gui estava realmente super stressado, chorava compulsivamente e estava todo molhado e foi impossível de o acalmar... Que também não percebia o motivo de ele estar assim, quando se encontrava num quarto arejado e num berço seguro... Interpelei-a e perguntei-lhe que não conseguia compreender o motivo da Aurélie não me ter ligado, porque motivo o meu filho foi forçado a chorar horas a fim quando eu tinha avisado que ele tinha estado 7 dias muito doente e ainda não estava em forma... Além diss, ela sabia perfeitamente que o Gui odiava dormir no berço, sozinho, gostava de dormir na presença de alguém e na sala (tudo porque vivíamos num apartamento com apenas 1 quarto)... Eu podia ter resolvido o problema, mas nem me deram qualquer hipótese... Podia ter saído do hospital, ou o R. podia ter saído do trabalho mais cedo, para nós estava fora de questão deixá-lo nesse estado... Espantosamente, a directora do RAM disse-nos que isso estava fora de questão porque não fazia sentido nós deixarmos de trabalhar a cada capricho do Gui e nem percebia o motivo de nós estarmos contra a ama...
Depressa compreendi que a directora do RAM estava completamente feita com a ama, sendo assim era mais do que óbvio... A reunião ía terminar muito mal...
Respirei fundo, tentei manter-me calma, porque queria ouvir o que a Aurélie tinha para dizer agora... Enquanto isso o R. mantinha-se calado a ouvir tanta barbaridade junta, tinha combinado comigo que não iria falar porque tinha receio de não se saber exprimir, por isso cabia-me a mim demonstrar o nosso desagrado total...
A Aurélie dirigiu-se a nós com um tom agressivo e disse-nos que sentia que eu nunca confiei nela e que esse era o motivo principal para o Gui nunca ficar bem na casa dela, que estava ali para mostrar a sua preocupação em relação a ele, que tinha que conhecer melhor a forma como nós o tratávamos em casa porque ele não podia ser o centro do mundo... Que a culpa era nossa porque a nossa vida girava em função dele... Que só queria colo, que não brincava com os outros meninos, que não suportava estar sozinho, que não gostava da filha mais nova dela, e que assim era difícil... Por isso teríamos que fazer um plano adaptado...
Cada palavra que ela dizia deixava-me com mais raiva dela, mas mesmo assim conseguimos manter a calma e decidi que era a minha vez de falar...
Comecei por lhe perguntar o motivo dela estar a falar com aquele tom de voz tão agressivo, quando ela diz ser tão profissional... Mas ela simplesmente negou, e o cúmulo foi quando a directora do RAM a defendeu, dizendo que aquele era um tom de voz de alguém com sentimentos que queria ajudar e fazer o melhor pelo nosso filho...
Estava cada vez mais incrédula com toda aquela situação, desde quando alguém fala assim e acha que é sentimental?! Desde quando alguém que é profissional, precisa de o repetir?!...
Perguntei-lhe se achava normal o que ela tinha feito e dito na segunda-feira... Ter chegado de manhã com o Gui e ela falar para para ele toda enervada a apontar-lhe o dedo e a dizer que ele era tirânico, que sabia bem o que tinha feito...
Tirânico??? Desde quando um bebé de 12 meses pode ser tirânico??? Mas que raio de afirmações uma ama faz para uma mãe???
Se achava bem ela estar a gritar com a filha dela... E porque motivo ela afirmava que eu nunca tive confiança nela e por esse motivo o Gui nunca ficava bem...
Que a nossa vida girava em função do Gui?! Claro que sim, éramos pais de primeira viagem, e toda a gente sabe que quando o primeiro filho nasce a vida muda completamente e as prioridades deixam de ser as "nossas" e passam a ser "ele"...
Nunca ficava bem?! Mas afinal nos outros dias todos também tinha havido problemas?!
Disse-lhe que se houve um dia que não tive confiança nela, esse dia foi na terça-feira, quando a vi completamente descontrolada e irreconhecível... E confessei até que naquele dia nem sei como consegui trabalhar...
Terminei por lhe perguntar algo que nos esquecemos de fazer na entrevista de emprego: há quanto tempo ela trabalhava como ama (em francês, assistante maternelle)...
Num tom sempre ameaçador, a Aurélie, disse que era perfeitamente normal ela ter falado assim com o Gui, que falava assim com os bebés a partir do 4 meses, porque a partir dessa idade eles sabem bem o que estão a fazer...
Que tirânico não era uma palavra chocante, que ela própria tinha passado por isso com a filha mais velha quando entrou para a creche, que também lhe tinham dito que ela era tirânica...
Que não tinha gritado com a filha, apenas queria que ela fosse comer e não interrompesse a nossa conversa...
Que a nossa vida não podia girar e mesmo função do Gui, ele é que se tinha que adaptar porque depois ele vai achar que é o centro do Mundo...
E que eu não tinha confiança nela porque nunca dizia ao Gui que ele ía ficar com ela, que eu criava uma espécie de "bolha" que impedia que qualquer mulher se aproximasse dele...
E respondeu-me que trabalhava desde Setembro passado, há mais ou menos 9 meses...
Esta última afirmação tinha-me deixado completamente esclarecida, afinal a experiência dela era quase nenhuma... Horrorizada com tudo o que ela tinha acabado de dizer e sobretudo com o parecer positivo da directora do RAM, fiquei sem palavras só conseguia pensar nos dias que o Gui tinha ficado com ela...
Tudo aquilo parecia demasiado surreal, tão surreal que só me vinha à cabeça que elas pudessem estar a arquitectar um plano qualquer... Lembrei-me tanto daquela reportagem de adopções forçadas no Reino Unido... Já não sabia mais o que pensar...
Foi então que a directora olhou para nós e pediu que o importante agora era estabelecer um plano porque amanhã era um novo dia e tínhamos que ver como tínhamos que agir com o Gui...
Olhei para o R. e respondi-lhes que não havia mais amanhã nem depois, que o Gui não iria voltar nunca mais, e que a Aurelie estava demitida a partir daquele dia porque era impensável para nós deixarmos o Gui com uma pessoa que perdemos a confiança...
Quem me dera ter gravado a cara delas quando acabei de dizer isto... Só me lembro da Aurélie a tentar pegar nos óculos de sol e nas chaves de casa, que estavam em cima da mesa, ao mesmo tempo que barafustava a perguntar o que estavam ali a fazer então... Que não fazia sentido nenhum o que que tínhamos feito, que as filhas nem se tinham despedido do Gui que já fazia parte da família, e que ainda tinham ficado coisas dele na casa dela...
O pior, foi quando a directora do RAM respondeu também que estávamos a agir de má fé, que devíamos ter dito logo que o Gui não ía mais, porque assim nem tínhamos feito nenhuma reunião... Que tínhamos que pagar tudo o que lhe devíamos, incluindo os 15 dias que ainda estavam por vir porque era necessário avisar com antecedência... E que a Aurélie podia deixar o saco com os pertences do Gui ali na instituição...
Mais uma vez, respirei fundo, engoli em seco, e disse-lhe que para nós não tinha sido uma perda de tempo, tinham que ouvir o que tínhamos para dizer, e era lógico o Gui não continuar lá e que, não tinham que se preocupar quanto ao pagamento, pagaríamos todos os direitos tal como a lei manda...
De forma a agilizar todo o processo, informei que enviaria a carta de rescisão de contrato no sábado, em correio registado com aviso de recepção e que passaria depois no RAM para deixar todos os documentos necessários, bem como mostrar os cálculos para o pagamento do que devíamos à ama...
Saímos dali completamente incrédulos com toda aquela situação e ainda hoje não consigo acreditar como é que aquela senhora que se diz directora do RAM pôde compactuar com toda aquela situação...
Mas a história não termina aqui... Depois disto, o filme de terror ainda continuou por mais algum tempo...
(continua amanhã)