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As Nossas Voltas

A vida dá muitas voltas, e foi numa dessas voltas, que nos tornamos emigrantes e viemos parar a Paris. Um blog sobre um pouco de mim, um pouco de nós, o dia-a-dia e não só.Simples mas cheio de ternura e dedicação!

As Nossas Voltas

A vida dá muitas voltas, e foi numa dessas voltas, que nos tornamos emigrantes e viemos parar a Paris. Um blog sobre um pouco de mim, um pouco de nós, o dia-a-dia e não só.Simples mas cheio de ternura e dedicação!

O DIA EM QUE O NOSSO MUNDO TREMEU - PARTE 4

A ESCOLHA DA NOVA AMA

Depois da terrível experiência com a primeira ama do Gui, lembrei-me imensas vezes do que a filha da madrinha da minha sogra nos disse, a primeira vez que lhe dissemos que a ama do Gui era francesa:

- "A ama é francesa?! Hum... E ela gosta mesmo de crianças? Só digo isto porque trabalho na creche e sempre achei que nós portugueses somos muito mais carinhosos e sensíveis com as crianças... Eles aqui são muito diferentes"... 

 

De facto, comentávamos muitas vezes, os dois, que a Aurélie não era muito carinhosa com o Gui, quando o Rui o ía buscar no final do dia, vinha quase sempre todo sujo, nunca lhe deu um beijo (pelo menos à nossa frente), e quando completou o primeiro aniversário nem uma palavra disse... Achava que ela era demasiado distante, mas nunca pensei que fosse louca... 

 

Depois desta experiência negativa, e tendo nós alguém daqui a dar essa opinião, decidimos que desta vez a ama teria que ser portuguesa... Além disso, tinha que ter alguns anos de experiência profissional e não ter filhos pequenos porque temíamos que o nosso filho fosse outra vez prejudicado...

 

Comecei por procurar a lista das amas, em várias zonas, não muito longe do meu local de trabalho, e liguei apenas àquelas que tinham o nome português... Fiz uma série de chamadas, e acreditem que não foi fácil encontrar alguém disponível... No meio de tantos nomes, e de tantas chamadas telefónicas, encontramos a Manuela, aquela que viria a ser a nova Ama do Gui...

Marcamos um encontro na casa dela, falamos dos horários que pretendíamos e preferi não contar o que se tinha passado com a anterior ama, para não causar uma má impressão... 

 

A Manuela só aceitava contratos a tempo completo, e apesar de nós só querermos que o Gui fosse nos dias em que eu trabalhava, durante a semana, aceitamos de imediato essa condição. Naquele dia, fizemos o contrato do Gui para começar logo depois das férias de Verão... 

 

Passei as férias de Verão a pensar no terror que o Gui tinha vivido, e só pensava que não iria aguentar se isto nos tornasse a acontecer... Felizmente a Manuela revelou-se uma ama completamente diferente... Tão diferente, que um simples beijo e carinho, de bom dia e de despedida, fazia toda a diferença... Tão diferente que nunca o obrigou a dormir no berço, apesar de ter feito algumas tentativas sem sucesso... O Gui preferia dormir sempre no sofá da sala (talvez tivesse ficado traumatizado com a outra louca)... Tão diferente que em cada festinha, a Manuela oferecia um presente... Tão diferente que quando o ía buscar, e ainda haviam "amiguinhos", o Gui queria ficar a brincar mais... Tão diferente, e ao mesmo tempo, tão normal... Coisas básicas que no início nos faziam falta, e que depois encontramos na Manuela... Foi assim que comprovamos que aquilo que nos era estranho, era realmente anormal, que aquilo que queríamos para o Gui não tínhamos encontrado da primeira vez...

 

Meses depois acabamos por contar à Manuela o motivo de termos demitido a primeira ama do Gui... E ela ficou incrédula com tudo o que se tinha passado... 

 

O Gui ficou lá até completar 3 aninhos, altura em que tinha que entrar na escolinha... Foi muito feliz, e ainda hoje relembra com carinho muitos dos momentos passados com a "Manu", como ela fazia questão que os pequeninos lhe chamassem... 

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O Martin nasceu, e não tivemos nenhuma dúvida em contratar novamente a Manu, pois sabiamos que ele ficaria bem entregue! 

O DIA EM QUE O NOSSO MUNDO TREMEU - PARTE 3

UMA DIRECTORA DO RAM DESCOMPENSADA

Passamos o fim-de-semana incrédulos com o que tinha acontecido e só queríamos dar por encerrado este problema o mais rapidamente possível...

 

A carta de rescisão do contrato foi enviada no sábado logo de manhã, pelo R., mas na segunda-feira à hora do almoço já eu recebia uma mensagem de voz da directora do RAM, com um tom ameaçador, a dizer-me que a Aurélie ainda não tinha recebido nenhuma carta, que não percebia o que tínhamos contra ela, que tínhamos que lhe pagar os direitos, que ela lhe tinha dito que nós nunca lhe entregamos os recibos de pagamento do seu ordenado, que se calhar nós nunca declaramos a ama, e que se não fizéssemos tudo direito iriam recorrer ao tribunal do trabalho (em francês, prud'hommes)...

Nem queria acreditar em todas as barbaridades que ela me tinha dito... Como podia ela estar a fazer este tipo acusações contra nós?! Liguei-lhe de imediato e comecei a dizer-lhe que não compreendia o que se estava a passar, que a carta já tinha sido enviada e que teriam agora que aguardar pelos correios, que tudo foi sempre devidamente declarado, que se não demos os recibos foi porque não era uma obrigação nossa (ela podia imprimir directamente do site do centro de emprego), e que se havia alguém que tinha falhado com as suas funções não éramos nós, mas sim a Aurélie... Mal terminei de finalizar a última frase, a directora do RAM disse-me que o problema era eu, que não gostava da Aurélie e tinha implicado com ela desde o início... Preferi respirar fundo e terminar a conversa por ali porque sabia que não adiantava acrescentar mais nada...

 

Cerca de uns dois ou três dias depois, e tal como tinha ficado combinado, dirigi-me ao RAM com o Gui para levantar os pertences dele, que a Aurélie tinha deixado, e para verificar se os documentos e as contas estavam bem feitas... E mal entrei na sala fiz questão de demonstrar o meu descontentamento com a falta de confiança na nossa palavra... No mesmo instante, e sem eu estar à espera disso, a directora do RAM olha para mim com um ar maquiavélico e diz-me: 

- "Sabe, D. Patricia, eu e a Aurélie sabemos perfeitamente que o seu marido no outro dia estava completamente do nosso lado, bastava olhar para ele... Já reparou que ele não disse uma única palavra?! Reagiu assim para não ter que a contrariar... Vê-se perfeitamente que você é quem manda em casa e têm sérios problemas de família.... E digo-lhe mais, NUNCA VAI ENCONTRAR UMA AMA PARA O SEU FILHO, E SABE PORQUÊ?! Porque a senhora nunca vai deixar nenhuma mulher se aproximar dele, você cria uma espécie de bolha que faz com que ninguém se possa aproximar dele..."

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Fiquei petrificada a ouvir todas aquelas barbaridades, respirei fundo, e sem descer ao nível dela, o nível mais rasco que eu nunca imaginei que ela fosse capaz de chegar, interrompi-a e disse-lhe:

- "Não admito que fale assim de mim e da minha família. A senhora não nos conhece de nenhum lado, nem sabe a relação que eu tenho com o meu marido. É óbvio que o meu marido nunca esteve do fosse lado, vocês sabem perfeitamente que se ele não falou porque não se sente à vontade para se exprimir em francês, e vocês sabem disso desde o início, principalmente a Aurélie. São acusações graves que acaba de fazer. Vamos terminar aqui a conversa porque eu só estou aqui para tratar de burocracias, não para falar de um assunto que já vi que não vale a pena discutir mais."

Mal acabei de dizer isto, a cara dela mudou completamente e com o ar mais cínico passou do ar de bruxa para o ar de donzela... Fizemos os cálculos, entreguei os papéis que tinha que entregar, e quando vinha embora disse-me com o ar mais cínico e com o sorriso mais amarelo: 

- "Boas férias em Portugal. Aproveitem muito..."

 

Entrei no carro, com uma vontade enorme de a mandar à M****, nem queria acreditar o que se tinha passado ali naquelas 4 paredes... Estava completamente incrédula com as palavras que ela me tinha dito... Liguei ao R. e contei-lhe o sucedido e disse-lhe que o melhor que tínhamos a fazer era tentar esquecer este pesadelo porque era demasiado cruel para ser verdade... Além disso, quem é que iria acreditar em nós?! Dois portuguesitos perdidos no meio destes abutres?!...

 

Nunca mais tornamos a falar para aquelas senhoras, e felizmente nunca mais se cruzaram no nosso caminho... Mas esta primeira experiência deixou-noscompletamente horrorizados e ficamos com "pena" das crianças que iriam ficar nas mãos daquela psicopata... Ainda por cima, naquele ano, a directora do RAM tinha ficado também directora da creche, o que para nós só nos ajudou a tomar a decisão de mudar de casa longe dali... Agora era hora para tentar tranquilizar o Gui e encontrar uma ama  para depois das férias de Verão... Estávamos mais exigentes e os critérios de selecção tinham mudado...

 

(continua e termina na próxima segunda-feira)

O DIA EM QUE O NOSSO MUNDO TREMEU - PARTE 2

O DIA DA TÃO AGUARDADA REUNIÃO

O dia da reunião parecia que nunca mais chegava, e na minha cabeça haviam três coisas que me massacravam: o tom de voz agressivo que a Aurélie  utilizou, quando me disse que o Gui era TIRÂNICO e o momento em que ela se dirigiu a ele com um tom ameaçador, a apontar o dedo... O Gui tinha apenas 12 meses e meio, um bebé indefeso e seguramente bastante assustado com o que ela lhe tinha feito...

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No dia da reunião, e tal como nos foi aconselhado, deixamos o Gui na casa dos nossos amigos, estávamos ansiosos por saber o que elas íam dizer... Chegamos, sentamo-nos e a directora do RAM começou por dizer que o motivo daquela reunião era para compreender melhor o Gui, a forma como ele vivia, as rotinas, de forma a que a Aurelie pudesse fazer uma melhor integração... Que ela tinha sido chamada na segunda-feira e ao chegar lá, depois da hora do almoço, constatou que o Gui estava realmente super stressado, chorava compulsivamente e estava todo molhado e foi impossível de o acalmar... Que também não percebia o motivo de ele estar assim, quando se encontrava num quarto arejado e num berço seguro... Interpelei-a e perguntei-lhe que não conseguia compreender o motivo da Aurélie não me ter ligado, porque motivo o meu filho foi forçado a chorar horas a fim quando eu tinha avisado que ele tinha estado 7 dias muito doente e ainda não estava em forma... Além diss, ela sabia perfeitamente que o Gui odiava dormir no berço, sozinho, gostava de dormir na presença de alguém e na sala (tudo porque vivíamos num apartamento com apenas 1 quarto)... Eu podia ter resolvido o problema, mas nem me deram qualquer hipótese... Podia ter saído do hospital, ou o R. podia ter saído do trabalho mais cedo, para nós estava fora de questão deixá-lo nesse estado... Espantosamente, a directora do RAM disse-nos que isso estava fora de questão porque não fazia sentido nós deixarmos de trabalhar a cada capricho do Gui e nem percebia o motivo de nós estarmos contra a ama...

 

Depressa compreendi que a directora do RAM estava completamente feita com a ama, sendo assim era mais do que óbvio... A reunião ía terminar muito mal...

 

Respirei fundo, tentei manter-me calma, porque queria ouvir o que a Aurélie tinha para dizer agora... Enquanto isso o R. mantinha-se calado a ouvir tanta barbaridade junta, tinha combinado comigo que não iria falar porque tinha receio de não se saber exprimir, por isso cabia-me a mim demonstrar o nosso desagrado total...

 

A Aurélie dirigiu-se a nós com um tom agressivo e disse-nos que sentia que eu nunca confiei nela e que esse era o motivo principal para o Gui nunca ficar bem na casa dela, que estava ali para mostrar a sua preocupação em relação a ele, que tinha que conhecer melhor a forma como nós o tratávamos em casa porque ele não podia ser o centro do mundo... Que a culpa era nossa porque a nossa vida girava em função dele... Que só queria colo, que não brincava com os outros meninos, que não suportava estar sozinho, que não gostava da filha mais nova dela, e que assim era difícil... Por isso teríamos que fazer um plano adaptado...

 

Cada palavra que ela dizia deixava-me com mais raiva dela, mas mesmo assim conseguimos manter a calma e decidi que era a minha vez de falar...

 

Comecei por lhe perguntar o motivo dela estar a falar com aquele tom de voz tão agressivo, quando ela diz ser tão profissional... Mas ela simplesmente negou, e o cúmulo foi quando a directora do RAM a defendeu, dizendo que aquele era um tom de voz de alguém com sentimentos que queria ajudar e fazer o melhor pelo nosso filho... 

 

Estava cada vez mais incrédula com toda aquela situação, desde quando alguém fala assim e acha que é sentimental?! Desde quando alguém que é profissional, precisa de o repetir?!...

Perguntei-lhe se achava normal o que ela tinha feito e dito na segunda-feira... Ter chegado de manhã com o Gui e ela falar para para ele toda enervada a apontar-lhe o dedo e a dizer que ele era tirânico, que sabia bem o que tinha feito...

Tirânico??? Desde quando um bebé de 12 meses pode ser tirânico??? Mas que raio de afirmações uma ama faz para uma mãe???

Se achava bem ela estar a gritar com a filha dela... E porque motivo ela afirmava que eu nunca tive confiança nela e por esse motivo o Gui nunca ficava bem...

Que a nossa vida girava em função do Gui?! Claro que sim, éramos pais de primeira viagem, e toda a gente sabe que quando o primeiro filho nasce a vida muda completamente e as prioridades deixam de ser as "nossas" e passam a ser "ele"...

Nunca ficava bem?! Mas afinal nos outros dias todos também tinha havido problemas?!

Disse-lhe que se houve um dia que não tive confiança nela, esse dia foi na terça-feira, quando a vi completamente descontrolada e irreconhecível... E confessei até que naquele dia nem sei como consegui trabalhar...

Terminei por lhe perguntar algo que nos esquecemos de fazer na entrevista de emprego: há quanto tempo ela trabalhava como ama (em francês, assistante maternelle)...

 

Num tom sempre ameaçador, a Aurélie, disse que era perfeitamente normal ela ter falado assim com o Gui, que falava assim com os bebés a partir do 4 meses, porque a partir dessa idade eles sabem bem o que estão a fazer... 

Que tirânico não era uma palavra chocante, que ela própria tinha passado por isso com a filha mais velha quando entrou para a creche, que também lhe tinham dito que ela era tirânica...

Que não tinha gritado com a filha, apenas queria que ela fosse comer e não interrompesse a nossa conversa...

Que a nossa vida não podia girar e mesmo função do Gui, ele é que se tinha que adaptar porque depois ele vai achar que é o centro do Mundo...

E que eu não tinha confiança nela porque nunca dizia ao Gui que ele ía ficar com ela, que eu criava uma espécie de "bolha" que impedia que qualquer mulher se aproximasse dele...

E respondeu-me que trabalhava desde Setembro passado, há mais ou menos 9 meses... 

 

Esta última afirmação tinha-me deixado completamente esclarecida,  afinal a experiência dela era quase nenhuma... Horrorizada com tudo o que ela tinha acabado de dizer e sobretudo com o parecer positivo da directora do RAM, fiquei sem palavras só conseguia pensar nos dias que o Gui tinha ficado com ela...

Tudo aquilo parecia demasiado surreal, tão surreal que só me vinha à cabeça que elas pudessem estar a arquitectar um plano qualquer... Lembrei-me tanto daquela reportagem de adopções forçadas no Reino Unido... Já não sabia mais o que pensar...

Foi então que a directora olhou para nós e pediu que o importante agora era estabelecer um plano porque amanhã era um novo dia e tínhamos que ver como tínhamos que agir com o Gui... 

 

Olhei para o R. e respondi-lhes que não havia mais amanhã nem depois, que o Gui não iria voltar nunca mais, e que a Aurelie estava demitida a partir daquele dia porque era impensável para nós deixarmos o Gui com uma pessoa que perdemos a confiança...

Quem me dera ter gravado a cara delas quando acabei de dizer isto... Só me lembro da Aurélie a tentar pegar nos óculos de sol e nas chaves de casa, que estavam em cima da mesa, ao mesmo tempo que barafustava a perguntar o que estavam ali a fazer então... Que não fazia sentido nenhum o que que tínhamos feito, que as filhas nem se tinham despedido do Gui  que já fazia parte da família, e que ainda tinham ficado coisas dele na casa dela...

O pior, foi quando a directora do RAM respondeu também que estávamos a agir de má fé, que devíamos ter dito logo que o Gui não ía mais, porque assim nem tínhamos feito nenhuma reunião... Que tínhamos que pagar tudo o que lhe devíamos,  incluindo os 15 dias que ainda estavam por vir porque era necessário avisar com antecedência... E que a Aurélie podia deixar o saco com os pertences do Gui ali na instituição...

 

Mais uma vez, respirei fundo, engoli em seco, e disse-lhe que para nós não tinha sido uma perda de tempo, tinham que ouvir o que tínhamos para dizer, e era lógico o Gui não continuar lá e que, não tinham que se preocupar quanto ao pagamento, pagaríamos todos os direitos tal como a lei manda...

 

De forma a agilizar todo o processo, informei que enviaria a carta de rescisão de contrato no sábado, em correio registado com aviso de recepção e que passaria depois no RAM para deixar todos os documentos necessários, bem como mostrar os cálculos para o pagamento do que devíamos à ama... 

 

Saímos dali completamente incrédulos com toda aquela situação e ainda hoje não consigo acreditar como é que aquela senhora que se diz directora do RAM pôde compactuar com toda aquela situação...

 

Mas a história não termina aqui... Depois disto, o filme de terror ainda continuou por mais algum tempo...

 

(continua amanhã)