Nunca mais abordei a conversa que a directora da escola do Gui teve comigo em Abril, um dia antes do confinamento... Mais uma situação marcada pela negativa que ficará guardada para sempre na minha memória... Vamos começar do princípio para enquadrar melhor o que se passou...
Aqui em França, aos 3 anos, quando as crianças entram para a escola existe uma avaliação de saúde feita por um médico e uma enfermeira escolar que passam para avaliar os alunos, nomeadamente a visão... Com o aparecimento da Pandemia, o Gui não fez esses testes no primeiro ano que entrou, por isso a avaliação foi feita no início do segundo ano escolar, mais precisamente em Outubro de 2020. Nesse dia, quando fui buscar o Gui à escola, a professora do Gui abordou-me e falou-me que o Gui muito provavelmente teria sérios problemas de visão, segundo a avaliação que tinha sido feita pelos profissionais de saúde, e por isso teria que consultar com alguma urgência um oftalmologista...
Fiquei incrédula com aquela avaliação e comecei a imaginar o que teria realmente acontecido: o Gui super incomodado com aquela avaliação, a não olhar para ninguém e a não responder... E as pessoas a achar que ele não respondia porque não via nada! Típico do Gui: fora de casa super tímido e mudo e dentro de casa exactamente o oposto! Expliquei à professora que não estava convencida com aquele resultado mas que iria consultar um oftalmologista rapidamente...
E assim foi, marcamos consulta no primeiro oftalmologia de crianças que nos apareceu disponível, e naquele dia tirei as dúvidas: mal entrou no consultório o Gui não disse uma única palavra e mal olhava para a pessoa que o estava a avaliar...
Nem imaginam como me senti mal, tinha -lhe pedido para colaborar, e até lá dentro quase lhe supliquei para dizer alguma coisa nem que fosse em português... Mas nada adiantou, não deu uma palavra, e a oftalmologista disse que faria então outra consulta mas teria que colocar umas gotas antes... Peguei na prescrição médica, e disse que depois marcava a consulta através do site, pois não conhecia as minha disponibilidades... Na realidade, não tinha gostado nadinha da forma como o Gui tinha sido abordado, cheia de pressas e sem qualquer empatia, mesmo eu explicando previamente como ele era...
Entrei no carro e o Gui começou e dizer tudo o que tinha visto, e questionei-o porque motivo não tinha respondido dentro do consultório... É óbvio que não me deu nenhuma justificação plausível, mas eu sabia como ele era e estava consciente que tínhamos um trabalho difícil pela frente...
Expliquei à professora o sucedido e disse-lhe que não o ía levar de imediato a outra consulta, que preferia esperar mais um meses até eu o sentir menos tímido, porque este isolamento social todo não o tinha ajudado em nada, que seria mais uma perda de tempo e dinheiro se o fizesse novamente num curto espaço de tempo... Reforcei-lhe que não achava que ele tivesse problemas graves de visão, e que se os tivesse seriam mínimos pois nunca vimos nada de anormal nele... A professora parecia ter concordado, e nunca mais tornou a falar do assunto...
Passados 6 meses, a "enfermeira escolar" voltou a passar na escola e fez uma reflexão escrita de que o Gui provavelmente "precisaria de óculos porque escrevia com a cabeça muito colada à folha"... Comecei a imaginar de novo o motivo de tal comportamento: "não querer ser visto ou simplesmente esconder-se... Como seria a abordagem feita por aquela enfermeira?!"...
Naquela semana, fui à escola saber da avaliação do Gui e, sem eu abordar o assunto, a professora disse que também achava que o Gui não tinha nenhum problema de visão grave...
O mais estranho é que uns dias mais tarde a directora da escola teve um comportamento inesperado... Nesse dia, vou levar o Gui à escola, e a directora chama por mim e diz-me que precisa urgentemente de falar comigo porque o Gui tem problemas sérios de visão e eu não me preocupo em levá-lo a um especialista... Por isso, se continuar assim será obrigada a fazer uma "sinalização de maus tratos"!
Nem queria acreditar no que acabava de ouvir, e por uns segundos respirei fundo para não perder a razão, e disse-lhe que achava muito estranho as acusações que ela acabava de me fazer quando na semana passada a professora do Gui tinha falado comigo... Tive que lhe dizer que também eu era profissional de saúde, e se estava a agir assim era por conhecer o meu filho, e que se havia alguém preocupado com ele, era eu!
O cúmulo foi quando ela ainda teve a lata de me dizer que se eu era profissional de saúde ainda era mais grave pois devia estar mais atenta!!! Mais atenta ao quê?! Nem sei como não me passei quando ela fez estas insinuações... E embora estivesse revoltada por dentro, mantive o meu ar super calmo e seguro... Falei-lhe do quanto era difícil colocar o Gui a falar com estranhos, expliquei que era impossível força-lo a falar quando ele simplesmente não queria e disse-lhe que até para mim era muito complicado esta situação porque não compreendia porque motivo ele era assim fora de casa... E disse-lhe que esta Pandemia era a grande responsável por tudo isto pois vivíamos muito isolados agora. No final, disse-lhe que iria marcar uma nova consulta, mas num oftalmologista de confiança, indicado pela Pediatra do Gui, mas que não podia prometia nada...
Entretanto, fui à Pediatra do Gui e contei-lhe o sucedido, também ela ficou indignada com aquelas acusações vindas de uma directora de uma escola... A Pediatra ainda tentou ligar para a "enfermeira escolar" para tentar perceber o que se passava mas não estava a trabalhar naquele dia, por isso uns dias mais tarde liguei eu e falei com ela... Enquanto isso, e no mesmo dia, a Pediatra tentou fazer um teste simples de visão, mas mais uma vez o Gui nem uma palavra deu... Gentilmente a Pediatra emprestou-me o material para fazer o teste e disse para eu fazer em casa e o R. filmar para ela ver o resultado... E assim foi, em casa o Gui respondeu tudo direitinho...
Mesmo assim, estava determinada a marcar uma nova consulta de oftalmologia, desta vez alguém que tivesse referências... Liguei para a Oftalmologista que a Pediatra me aconselhou e conseguimos consulta 3 meses depois...
Quanto à Enfermaria escolar não me inspirou confiança nenhuma, mal me deixou falar, e ainda me aconselhou levar o Gui a um psicólogo porque ela já tinha feito centenas de testes e nunca tinha encontrado uma criança como o Gui, e que não tinha que me sentir mal em pedir ajuda a uma psicóloga pois também ela tinha levado uma vez a filha dela... Sem me conhecer, sem me deixar falar, fez uma série de observações que me deixaram completamente estupefacta, disse-lhe que o problema disto tudo era estarmos isolados/confinados há mais de um ano e que o mais grave disto tudo foi ter a directora da escola a ameaçar-me com uma sinalização de maus tratos!!!
O resto da história fica para um próximo post...