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As Nossas Voltas

A vida dá muitas voltas, e foi numa dessas voltas, que nos tornamos emigrantes e viemos parar a Paris. Um blog sobre um pouco de mim, um pouco de nós, o dia-a-dia e não só.Simples mas cheio de ternura e dedicação!

As Nossas Voltas

A vida dá muitas voltas, e foi numa dessas voltas, que nos tornamos emigrantes e viemos parar a Paris. Um blog sobre um pouco de mim, um pouco de nós, o dia-a-dia e não só.Simples mas cheio de ternura e dedicação!

O DIA EM QUE O NOSSO MUNDO TREMEU

O PESADELO DA PRIMEIRA AMA

Quando o Gui nasceu se havia receio que nós tínhamos era ter que o deixar com alguém "desconhecido" quando eu voltasse a trabalhar... Preferíamos que ele tivesse ido para uma creche porque, à partida, o risco de encontrar alguém "menos profissional" era menor, pelo menos haveriam mais adultos presentes... Infelizmente acabou por se tornar uma missão impossível, e não tivemos outra escolha se não procurarmos uma ama... Não foi fácil, mas encontramos uma, perto da nossa casa...

 

Fizemos a entrevista à ama, fomos conhecer a casa, as rotinas, o ambiente onde o Gui iria ficar e demos-lhe a conhecer as rotinas dele... A ama era francesa, chamava-se Aurélie L., tinha 31 anos, parecia simpática, prestável e afável com os bebés... Era casada, tinha duas filhas, uma de 4 anos e outra com 1mês menos do que o Gui... Parecia que reunia todas as condições que procurávamos...

 

O Gui começou a ir para a ama exactamente no dia 28 de Março, altura em que começou a fazer a integração, pois eu recomeçava a trabalhar no dia 3 de Abril...

 

Assim que comecei a trabalhar, eu levava o Gui e o R. ía buscá-lo... Mas como ele tinha algum receio de não compreender tudo o que ela fosse dizer, ficou estabelecido que ela iria escrever num caderno as coisas mais pertinentes que tivessem ocorrido durante o dia...

 

Tudo parecia normal, até que em Junho o Gui ficou uma semana em casa, doente com uma gastroenterite... Foi provavelmente a pior semana que o Gui teve doente... Vomitava imenso, tinha muita diarreia e alimentava-se muito mal, a sorte é que ele bebia muito bem a solução de hidratação prescrita pelo médico... Quando voltou para a ama, escrevi no caderno o que se tinha passado naquela semana, que o Gui esteve ausente, e pedi que ela fosse um bocadinho mais paciente porque sabia que ele ainda não estava completamente em forma, e fiz questão de lhe dizer isso pessoalmente...

 

Foi exactamente nesse dia, dia 26 de Junho de 2017, no primeiro dia que o Gui voltou depois de estar ausente durante 7 dias, que ficámos a conhecer a verdadeira Aurélie...

 

O R., como era habitual foi buscar o Gui no fim do trabalho e enviou-me uma fotografia da mensagem que a Aurélie tinha escrito no caderno... Fiquei parva a olhar para aquele texto, sem compreender o que se tinha passado, e até mostrei à minha colega que estava a trabalhar comigo... Alguma coisa de anormal tinha que ter acontecido... Liguei imediatamente para o R. para perceber melhor do que se tratava... O R. também estava desorientado com aquela situação pois ela só lhe tinha dito que o Gui tinha chorado um "bocadinho mais que o normal", mas que estava tudo explicado no caderno...

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Tentei ligar para ela, umas duas ou três vezes, mas sem qualquer sucesso... Eram 23h e uns quantos minutos quando no meu telemóvel entrou uma SMS a dizer "que tinha ido a uma aula de Yoga, para não me preocupar, que amanhã de manhã falávamos melhor"...

 

Como não me preocupar quando ela deixa uma mensagem a dizer que "devido a um acidente ela quer falar comigo pessoalmente e que chamou a responsável do RAM para intervir na casa dela, e devido a isso ela propôs uma reunião dali a 3 dias, com a responsável do RAM, comigo e com o R.?! 

 

Naquela noite não dormi, nem queria acreditar no que estava a acontecer... Ainda por cima, no dia seguinte ía trabalhar e tinha uma reunião com a Directora Dos Cuidados de Saúde do hospital onde trabalho porque tinha escrito uma carta ao hospital para pedir demissão, uma vez que a minha Chefe não me queria dar férias no Verão, alegando que não tinha direito (e eu com o Batizado do Gui todo programado)... Não tendo alternativa, e mesmo tendo acontecido esta situação muito estranha, o Gui teria mesmo que voltar  a ficar na ama...

 

No dia seguinte, tentei ir uns minutos mais cedo para esclarecer o que se tinha passado, queria compreender porque motivo ela tinha chamado alguém de fora para intervir e não me ter telefonado directamente a mim... Mal ela abriu a porta, o Gui começou a chorar agarrado-se a mim como que a dizer que não queria ficar ali... Perguntei-lhe que "acidente" tinha acontecido para ela chamar outra pessoa e demonstrei toda a minha preocupação... Mas mal ouviu a palavra "acidente", parece que a tinha ofendido, começou por dizer que era um "incidente, e não um acidente, que eu tinha percebido mal... que o Gui tinha chorado compulsivamente o dia todo, que era impossível ele ficar a dormir no berço porque berrava e transpirava imenso, que ele não suportava a filha dela (que tinha um mês menos), que tínhamos que ver melhor as rotinas dele em casa, e que ele era TIRÂNICO..."  Enquanto ela dizia, enervada, todas estas barbaridades, a filha de 4 anos vinha imensas vezes ter connosco, porque ela adorava o Gui, e ela gritava com ela para estar calada e ir comer... Estava petrificada com aquele cenário, nunca a tinha visto assim... Contei baixinho até três, respirei fundo, e procurei não demonstrar o meu "pânico", disse-lhe que efectivamente ela tinha escrito "acidente", e tentei saber o motivo dela não ter ligado para mim quando eu trabalhava perto, ainda por cima ela sabia que ele ainda não estava muito bem... Sempre num tom agressivo, disse-me que a culpa era minha porque vivíamos em função dele, que eu não tinha confiança nela e ele sentia isso e era por isso que ele ficava sempre a chorar quando o deixava... Repetiu três ou quatro vezes que ela era "bastante profissional", que era especializada em crianças com necessidades especiais... E enquanto dizia isso, o Gui continuava agarrado a mim... Dirigiu-se a ele, apontando-lhe o dedo, e com um tom ameaçador, disse-lhe que ele "sabia bem o que fazia, que não podia ser assim, que o mundo não girava à volta dele, e que ele era tirânico, que ía ter que mudar"... Tinha vontade de sair dali a correr com o Gui, sem olhar para trás, mas mesmo com o coração completamente despedaçado, e incrédula com toda aquela situação, deixei o Gui e fui trabalhar... Se fosse hoje, nunca o teria feito...

 

Entrei no carro e chorei compulsivamente, liguei ao R. a contar-lhe o que se tinha passado e avisei-o que o Gui não iria nunca mais ficar lá, mas que a Aurélie não podia saber disso... Naquele dia, nem sei como consegui trabalhar... Não consegui esconder a preocupação que tinha, chorei imensas vezes por ter receio que ele não pudesse estar bem, contei à minha chefe e até ela achava a situação bastante estranha... Fui à reunião, a Diretora pediu-me para não rescindir contrato e negociou as férias de Verão comigo... Tinha um problema a menos para tratar...

 

Durante a manhã, a responsável do RAM ligou para o meu telemóvel... Lembro-me das primeiras palavras dela: "bom dia, não fique preocupada com o que aconteceu ontem, o seu filho não tem qualquer problema de saúde, mas precisamos de perceber como são as rotinas do Gui em casa porque a Aurélie não está a conseguir lidar com ele... Queremos conhecer melhor como vocês o tratam..." Ouvi incrédula tudo o que ela disse e respondi-lhe que na quinta-feira estaríamos então na tal reunião que tinha sido programa por elas... Estava ansiosa por esse dia...

 

O meu objetivo agora era encontrar alguém de confiança para o Gui ficar na próxima sexta-feira e nos outros dias que eu tivesse a trabalhar... Estávamos no final de Junho, com as férias de Verão à porta ficava difícil encontrar alguém e eu também tinha muito medo de o deixar com outra pessoa, tinhamos que ter muita atenção antes de contratar novamente alguém... Falei com as minhas duas amigas e, com algumas trocas que fiz no horário, conseguimos que o Gui ficasse com elas nos dias que eu trabalhava... O mês de Julho estava resolvido, faltavam agora alguns dias em Agosto... 

 

Liguei para a minha mãe e disse-lhe que precisava dela 15 dias em Agosto porque o Gui tinha ficado sem ama, mas não lhe consegui contar a verdade, não a queria preocupar mais do que eu estava... Felizmente, conseguimos encontrar a melhor solução para o Gui, pelo menos até às férias de Verão...

 

No final do dia, o R. foi buscar o Gui e agiu normalmente de forma a Aurélie não perceber que o Gui não iria nunca mais...

 

No dia seguinte estava de folga, precisava de desabafar... Liguei às minhas amigas e marcamos um almoço juntas... O Gui que estava super à vontade com elas, assim que as viu agarrou-se a mim e começou a chorar... Olhámos umas para as outras e rapidamente percebemos que o Gui estava realmente bastante perturbado... Felizmente à medida que o almoço ía decorrendo, o Gui foi ganhando confiança, deixando-nos mais tranquilas para os próximos dias em que ele iria ficar com elas...

 

(continua amanhã)

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